A flexibilização da renda máxima para concessão de BPC

A flexibilização da renda máxima para concessão de BPC
A flexibilização da renda máxima para concessão de BPC

O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é um tipo de assistência oferecida pelo governo, que considera a situação de vulnerabilidade socioeconômica e a deficiência de longo prazo, ou condição de pessoa idosa, de um indivíduo.

O BPC é concedido pelo INSS com a finalidade de proteger a pessoa com deficiência e o idoso vulnerável, sendo, no entanto, exigida para a concessão da assistência, conforme estabelece a Lei nº 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social/LOAS), a observância de determinados requisitos e critérios legais.

Os requisitos para a concessão do BPC incluem, por exemplo, à luz do Art. 20 da lei em questão, o enquadramento do beneficiário na condição de pessoa com deficiência ou pessoa idosa (65 anos ou mais) e a existência de renda familiar per capita de até ¼ do salário mínimo. Nesse contexto, são avaliados, também, os critérios exigidos para que uma pessoa possa receber o BPC: a deficiência de longo prazo, a avaliação biopsicossocial, as condições do núcleo familiar do beneficiário, a existência de inscrição no CadÚnico e a renda..

Esta última é objeto de uma interpretação tradicional, muito utilizada pelo INSS, que considera como limite objetivo para a concessão do benefício a renda familiar per capita de ¼ do salário mínimo.

Tal forma de aplicação do entendimento acerca do BPC pode vir a prejudicar núcleos familiares inteiros que, embora possuam renda acima do limite legal, ainda são consideradas famílias de baixa renda.

Além disso, a partir da análise socioeconômica do núcleo familiar do beneficiário, na qual são consideradas, inclusive, as condições de habitação da família, é possível constatar que, apesar de auferir renda que ultrapasse o limite estabelecido por lei, a família pode ser acometida por dificuldades em arcar com os custos de tratamentos relacionados à deficiência e de conciliá-los com as despesas domésticas.

Conclui-se, dessa forma, que as condições de vida de uma pessoa não são objetivas, e não há, portanto, como analisá-las somente pelos valores auferidos como renda.

Há a possibilidade de flexibilização do critério de renda para concessão do BPC?

Sabendo disso, surge um questionamento: haveria a possibilidade de flexibilizar o critério renda para a concessão do BPC? A resposta é sim.

Apesar da consolidada interpretação tradicional e restrita do critério renda pelo INSS, há uma série de decisões proferidas por Tribunais que entendem a viabilidade da flexibilização deste critério e de uma análise ampliada da vulnerabilidade socioeconômica, tendo em vista a preservação da dignidade humana. Nesse sentido, vale citar a decisão proferida pela 9ª Turma do TRF-4, na qual o Ministro Relator Sebastião Ogê Muniz entende o seguinte:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. VULNERABILIDADE SOCIAL CONFIGURADA . DESPESAS ELEVADAS. INSUFICIÊNCIA DO CRITÉRIO ARITMÉTICO. RENDA FLUTUANTE. COLEGIADO AMPLIADO . ART. 942, CPC. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em 18-04-2013, a Reclamação nº 4374 e o Recurso Extraordinário nº 567985, este com repercussão geral, reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8 .742/93 (LOAS), por considerar que o critério ali previsto - ser a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade. 2. Seria paradoxal que o Judiciário, apesar de ter reconhecido a inconstitucionalidade do critério econômico de acessibilidade ao BPC (renda familiar per capita igual ou inferior a ¼ do salário mínimo), enquanto aqui se discute a renda mínima de cidadania universalizada (Projeto de Lei 4856/19), a exemplo de outros países e estados, como Itália, Quênia, Finlândia, Barcelona, Canadá (Ontário), Califórnia (Stockton), Escócia, Holanda, Reino Unido, Índia e outros, que já colocaram em funcionamento ou estão preparando programas-piloto de renda básica universalizada, para enfrentar o grave problema das desigualdades econômicas decorrentes do modelo capitalista, persista medindo com régua milimétrica a miserabilidade de pessoas que, além de estarem em situação de vulnerabilidade, sofrem com as barreiras naturais e as que a sociedade lhes impõe, em razão da idade avançada ou da deficiência. 3 . Não foi em vão que o Tribunal da Cidadania, em precedente prolatado no REsp nº 1.112.557/MG, pela 3ª Seção, sendo Relator o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, publicado em 20/11/09, processado como representativo de controvérsia, nos termos do art. 543-C, do CPC, assentou a relativa validade do critério legal, tornando vinculante a necessidade de exame mais compreensivo para a análise judicial da hipossuficiência econômica: A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo . 4. Não se pode tolerar o descaso do Estado brasileiro com o desenvolvimento de uma criança com grave deficiência, permitindo que uma família, que já se encontra acolhida em programa assistencial de moradia, seja privada dos benefícios advindos do programa de transferência de renda preconizado pela Constituição da Republica. Desse modo, ainda que a renda familiar per capita esteja um pouco acima do mínimo legal de 1/4 do salário mínimo, desde o primeiro requerimento efetuado na esfera administrativa, em razão dos curtos e precários vínculos dos integrantes do grupo familiar que lhe proporcionavam renda mínima, existe respaldo das Cortes Superiores para que os demais elementos probatórios referido alhures sejam considerados para justificar a prestação continuada requestada. 5 . Hipótese em que o auferimento de uma renda per capita acima do requisito mínimo não inviabiliza a concessão do benefício à parte autora, devido à flutuação da renda do grupo familiar do deficiente ao longo dos anos e porque o bom estado da moradia não é óbice à concessão do BPC quando demonstrado que a renda auferida pelo grupo familiar é insuficiente para proporcionar à pessoa com deficiência, com múltiplas carências e necessidades, condições mínimas de sobrevivência com dignidade.

(TRF-4 - AC: 50042696120144047209 SC, Relator.: SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Data de Julgamento: 29/06/2021, 9ª Turma).

No mesmo sentido, a 14ª Turma do TRF-3, em decisão de relatoria do Ministro Leonardo Henrique Soares, determina:

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IDOSO. RENDA PER CAPITA SUPERIOR A ½ SALÁRIO MÍNIMO. LAUDO SÓCIO ECONÔMICO COMPROVA SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE E RISCO SOCIAL . SITUAÇÃO LIMITROFE. PREENCHIMENTO DE AMBOS OS REQUISITOS LEGAIS. 1. Trata-se de recurso interposto pelo INSS, em face da sentença que julgou procedente o pedido de concessão do benefício assistencial ao idoso . 2. No caso em análise, apesar da renda per capita ser superior a ½ salário mínimo, o estudo socioeconômico demonstra a vulnerabilidade e o risco social do grupo familiar. 3. Recurso do INSS que se nega provimento.

(TRF-3 - RI: 50022742920214036325, Relator.: LEONARDO HENRIQUE SOARES, Data de Julgamento: 24/03/2023, 14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, Data de Publicação: 30/03/2023).

Portanto, analisando a evolução da jurisprudência pátria, é possível afirmar que, embora o INSS persista em um exame objetivo e matemático do critério renda, a flexibilização deste é, sim, uma possibilidade, conforme se observa em vários julgados dos Tribunais Regionais Federais.

Em Direito Previdenciário em Londrina e região, conte com o escritório Bernardo Fernandes Advocacia.

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Sobre o autor:

Bernardo Fernandes
Bernardo Fernandes

Bernardo Fernandes é advogado, formado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina, especialista em Direito Civil e Empresarial pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade IBMEC-SP, especialista em Direito de Família e Sucessões pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade IBMEC-SP e fundador do escritório Bernardo Fernandes Advocacia, localizado em Londrina/PR.