Ação de consignação de chaves

Ação de consignação de chaves
Ação de consignação de chaves

O proprietário se recusa a receber as chaves. O que fazer?

Nem sempre o fim de um contrato de locação é tão simples quanto se espera. Em determinados casos, alguma das partes pode dificultar esse momento, como quando o locatário — mesmo após cumprir com suas obrigações — enfrenta uma complicada situação: a recusa do proprietário/locador em receber as chaves do imóvel.

Diante desse cenário, quais são as alternativas legais disponíveis para o locatário que deseja evitar cobranças indevidas ou problemas futuros? A solução, na enorme maioria dos casos, se dá de forma extrajudicial, com negociação e mediante conscientização acerca dos direitos do inquilino.

Caso contrário, a solução pode estar na ação de consignação de chaves, um recurso previsto na legislação brasileira que pode resolver a questão de maneira eficaz e segura. Essa medida permite ao locatário formalizar a devolução do imóvel, independentemente da recusa do locador, garantindo que o contrato de locação seja considerado encerrado.

Conceito

A ação de consignação de chaves é uma medida judicial destinada a proteger o locatário em situações em que o locador se recusa, sem justificativa, a receber o imóvel de volta ao final do contrato de locação. Esse ato pode prejudicar o locatário, pois ele permanece vulnerável a cobranças de aluguel e outros encargos, mesmo sem utilizar mais o imóvel.

A consignação judicial das chaves visa, portanto, liberar o locatário dessas responsabilidades. Essa ação garante que, uma vez consignadas as chaves, o contrato será formalmente encerrado, impedindo que o locador continue exigindo aluguéis ou encargos após a devolução judicial do imóvel.

Fundamento jurídico da ação de consignação de chaves

A consignação de chaves é uma modalidade de consignação em pagamento, prevista principalmente no Código Civil, sustentada fundamentalmente no princípio de que o devedor (locatário) deve ter a possibilidade de liberar-se de sua obrigação, caso o credor (locador) se recuse a recebê-la.

O artigo 335 do Código Civil estabelece que "a consignação tem lugar: I – se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento ou dar quitação na devida forma."

No contexto da locação, o pagamento a ser quitado é a devolução do imóvel e das chaves, que simbolizam o término do contrato. A consignação em pagamento ou depósito judicial, também chamada de “oferta real”, consiste no efetivo oferecimento da res debita (coisas devidas). Por isso, a hipótese anteriormente acostada é a mais comum.

Destaca-se que esta medida impede que o locador continue exigindo aluguéis ou encargos do imóvel após a data em que as chaves foram consignadas.

Os débitos pendentes e a necessidade de reparos no imóvel justificam a recusa?

Em muitas situações, o locador pode alegar que o imóvel não está em boas condições ou que há débitos pendentes para justificar a recusa em receber as chaves. Contudo, a existência de débitos ou a necessidade de reparos no imóvel não são justificativas para a recusa, conforme já sedimentado na jurisprudência. Isso porque, ao aceitar as chaves, o locador não perde o direito de cobrar eventuais dívidas ou exigir reparos que eram devidos antes da entrega.

Ou seja, a questão do estado do imóvel ou das pendências financeiras pode ser discutida em outra ação judicial, mas não impede a devolução formal do imóvel e a consequente liberação do locatário de seus encargos daquele momento em diante.

A jurisprudência confirma esse entendimento:

Locador que condiciona o recebimento das chaves à declaração do locatário ser responsável por reparos no imóvel, durante a realização deles, pelo pagamento dos aluguéis e encargos. Inadmissibilidade. (RT, 805/290)

A entrega das chaves encerra as obrigações contratuais?

Embora a entrega das chaves signifique o término do contrato de locação, isto não quer dizer que estarão extinguidos os eventuais direitos do locador ao recebimento dos aluguéis inadimplidos, multa ou reparação do imóvel. O que se encerra, verdadeiramente, é a obrigação de pagamento dos aluguéis, de modo que o locador não poderá realizar a cobrança dos meses seguintes à entrega das chaves.

Por isso, a entrega das chaves simboliza o fim do contrato nesse sentido. A jurisprudência já se manifesta desta forma:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. LOCAÇÃO DE BEM IMÓVEL. TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE. TUTELA DE URGÊNCIA. A suposta não entrega do imóvel no estado em que se encontrava quando do início da locação não justifica ou legitima a recusa em receber as chaves do imóvel locado. Decisão reformada. Recurso provido, confirmando a liminar concedida por este Relator; 2070520-24.2018.8.26.0000 – Órgão julgador: 26ª Câmara de Direito Privado; Data de publicação: 03/07/2018

APELAÇÃO CÍVEL. LOCAÇÃO. CONSIGNATÓRIA. ENTREGA DAS CHAVES. CONTRATO DE LOCAÇÃO QUE JÁ SE ENCERROU. LOCATÁRIO JÁ DESOCUPOU O IMÓVEL. RECUSA INJUSTA DO LOCADOR PARA RECEBIMENTO DAS CHAVES. A DISCUSSÃO ACERCA DO ESTADO DO IMÓVEL NÃO PODE TER ESPAÇO NA CONSIGNAÇÃO DA ENTREGA DA CHAVE, DEVE O LOCADOR AJUIZAR AÇÃO CONTRA O APELANTE/LOCATÁRIO REQUERENDO A INDENIZAÇÃO PELOS DANOS CAUSADOS. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL PARA DEFERIR O DEPÓSITO DA CHAVE. INVERSÃO DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDO POR MAIORIA DE VOTOS. I – RELATÓRIO. (TJ-PR – APL: 00065310520158160019 PR 0006531-05.2015.8.16.0019 (Acórdão), Relator: Desembargador Sigurd Roberto Bengtsson, Data de Julgamento: 06/06/2019, 11ª Câmara Cível, Data de Publicação: 25/06/2019).

As cobranças devidas, como aluguéis atrasados, multas e reparos, ainda poderão ser tratadas em ação própria, aquém da ação de consignação das chaves em juízo que encerra a relação locatícia.

Como funciona a ação de consignação de chaves?

Para ingressar com a ação de consignação de chaves, o locatário deve seguir alguns passos:

1. Tentativa de devolução amigável: Antes de ajuizar a ação, é recomendável que o locatário tente devolver as chaves extrajudicialmente. Isso pode ser feito por meio de notificações extrajudiciais ou correspondências com aviso de recebimento, documentando a recusa do locador. Isso porque, na enorme maioria dos casos, a solução se dá de forma extrajudicial.

2. Ajuizamento da ação: Caso o locador continue a recusar as chaves, o locatário pode ingressar com a ação de consignação de chaves, solicitando a consignação judicial e o depósito das chaves em juízo.

3. Depósito das chaves em juízo: O locatário, ao ajuizar a ação, depositará as chaves junto ao processo, e o juiz poderá determinar que o locador as receba.

A ação de consignação de chaves é uma ferramenta importante para locatários que enfrentam dificuldades no encerramento de um contrato de locação devido à recusa do locador em receber o imóvel. Essa ação garante a formalização do término do contrato e impede cobranças indevidas de aluguéis ou encargos após a devolução do imóvel.

Embora a ação não resolva questões como débitos pendentes ou reparos, ela oferece segurança jurídica ao locatário e evita prejuízos decorrentes de uma permanência involuntária na locação.

Em caso de dúvidas ou necessidade de orientação, é sempre recomendável buscar a assistência de um advogado especializado para garantir que todos os passos sejam seguidos corretamente e os direitos do locatário sejam preservados.

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Sobre o autor:

Bernardo Fernandes
Bernardo Fernandes

Bernardo Fernandes é advogado, formado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina, especialista em Direito Civil e Empresarial pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade IBMEC-SP, especialista em Direito de Família e Sucessões pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade IBMEC-SP e fundador do escritório Bernardo Fernandes Advocacia, localizado em Londrina/PR.