Carro de leilão e o prazo para baixa de débitos

Carro de leilão e o prazo para baixa de débitos
Carro de leilão e o prazo para baixa de débitos

O sonho de ter um carro novo ou trocar o atual por um modelo superior frequentemente esbarra nas altas cifras do mercado automotivo tradicional. Entre concessionárias e revendas, a margem de negociação é apertada, forçando o consumidor a fazer grandes sacrifícios financeiros.

No entanto, existe uma porta de entrada para a posse de veículos que oferece uma relação custo-benefício extremamente vantajosa: a aquisição por meio de leilões. Longe da percepção de que esses eventos envolvem apenas carros sucateados, os pregões modernos são uma fonte vasta e diversificada, apresentando desde veículos retomados de financiamento até modelos de frota em excelente estado.

A grande atração, e o motor que impulsiona a participação de milhares de compradores, é a possibilidade de arrematar um bem por um valor significativamente abaixo da Tabela FIPE. Essa margem de economia faz com que o leilão se configure não apenas como uma alternativa de compra, mas como uma verdadeira estratégia de investimento no patrimônio.

Esta análise detalhada explora o universo dos leilões de veículos, focando na distinção crucial entre as modalidades e, sobretudo, nos direitos que protegem o arrematante, garantindo que a oportunidade de economizar não se transforme em uma dor de cabeça burocrática posterior.

Em meio às diversas modalidades de leilões, incluindo os beneficentes, os extrajudiciais e os extrajudiciais, é igualmente recorrente o desconhecimento das diferenças entre esses e dos direitos assegurados aos arrematantes em cada um desses. Nesse contexto de falta de ciência sobre a modalidade do leilão e as suas diferentes características, existe um direito referente apenas aos leilões judiciais e àqueles realizados pelo DETRAN que, embora não seja amplamente divulgado, é extremamente relevante para garantir ao arrematante de um veículo o pleno usufruto deste.

O direito em questão é a desvinculação dos débitos atribuídos ao veículo no período anterior à venda em leilão. Nos casos de leilões extrajudiciais privados, não há regra uniforme que determine a baixa dos débitos anteriores à arrematação.

Contudo, quanto aos leilões judiciais e administrativos, a desvinculação desses ônus é prevista em lei. Em primeiro lugar, tem-se o Art. 908 do Código de Processo Civil, que, em seu §1º, determina que, em caso de alienação, os créditos atribuídos ao bem devem ser desvinculados deste. Além disso, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), no parágrafo 8º de seu Art. 328, define que a realização do leilão será informada previamente aos órgãos públicos responsáveis para, no prazo de 10 dias, serem desvinculados do veículo os débitos existentes no registro. No parágrafo 9º do mesmo artigo, e seguindo a mesma ideia do Art. 908 do CPC, é estabelecido que, em caso de alienação administrativa, os ônus vinculados ao veículo arrematado são automaticamente retirados de seu registro.

Em um contexto de leilão judicial, vale acentuar o prazo de 10 dias mencionado no Art. 328 do Código de Trânsito Brasileiro.

Considerando a existência dessa previsão, levanta-se a seguinte questão: Quando começa a contar o prazo para a desvinculação dos ônus atribuídos a um veículo após a arrematação deste em leilão? Não há no ordenamento jurídico expressa determinação a respeito do momento exato em que o prazo de 10 dias referido no Art. 328 do CTB começa a correr. Isso, pois, apesar de estabelecer como gatilho para o início desse prazo a comunicação dos órgãos públicos responsáveis, o DETRAN no presente contexto, sobre o leilão, não é especificado o que constitui tal comunicação.

No mesmo sentido, não há como precisar, por exemplo, a expedição do auto de arrematação, a publicação do edital do leilão ou algum tipo de ofício de comunicação como marco inicial para a contagem do prazo. Além disso, sendo o DETRAN um órgão estadual, cujas normas podem variar de acordo com o ente federado, não há padronização no regulamento da autarquia a respeito dessa matéria.

É possível, contudo, à luz do material elaborado pelo Departamento de Gestão do Transporte Oficial, divisão da Secretaria da Administração e da Previdência do estado do Paraná, intitulado “Treinamento - Processo de Avaliação de Veículos para Leilão”, fazer uma interpretação acerca de quando seria o início do prazo de 10 dias para a desvinculação dos ônus. Isso, pois, de acordo com o documento de autoria do Governo do Paraná, o DETRAN/PR, por exemplo, utiliza como procedimento para controle e baixa patrimonial a protocolização de documentos. Ou seja, entende-se que o DETRAN, no estado do Paraná, passa a conhecer formalmente a arrematação de um veículo em leilão a partir do momento em que o protocolo, contendo o auto de arrematação e a homologação do leilão, for recebido.

Portanto, a prova do conhecimento do DETRAN a que se refere o Art. 328 do CTB é o envio de protocolo com os documentos que comprovam a realização do leilão e a arrematação do veículo. Nesse caso, a fim de evitar incômodos futuros, ao arrematar um veículo vinculado a débitos anteriores ao leilão, recomenda-se fazer protocolo com os documentos necessários e guardar o comprovante, incluindo o número e a data, deste.

Em caso de morosidade do DETRAN, tendo este ultrapassado o prazo de 10 dias contados da protocolização, é válido requerer pela via administrativa a desvinculação dos ônus. Na ocasião em que não for frutífera a tentativa de resolução administrativa, é plausível acionar o Judiciário. A judicialização, nesse caso, poderia ocorrer a partir de uma ação de obrigação de fazer, sendo possível, ainda, combiná-la com a indenização por danos morais, visando comprovar a culpa do DETRAN na regularização do veículo.

Tal demanda pode ser observada no entendimento da 6ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça do Paraná no julgamento do recurso inominado de nº 0001794-76.2022.8.16.0030, no qual decide-se pela responsabilização da autarquia e pela isenção de culpa de um terceiro envolvido:

RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. DETERMINAÇÃO DE REGULARIZAÇÃO DO VEÍCULO REFERENTE ÀS PENDÊNCIAS ANTERIORES À ARREMATAÇÃO. INSURGÊNCIA RECURSAL DO INSTITUTO DE TRANSPORTES E TRÂNSITO DE FOZ DO IGUAÇU – FOZTRANS. VEÍCULO ARREMATADO EM LEILÃO REALIZADO PELO RECORRENTE. DEMORA NA REGULARIZAÇÃO DO VEÍCULO POR CULPA DO DETRAN. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO FOZTRANS QUE CUMPRIU TODAS AS EXIGÊNCIAS DO EDITAL E DA LEGISLAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA PARA AFASTAR A RESPONSABILIDADE DO FOZTRANS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

(TJPR - 6ª Turma Recursal dos Juizados Especiais - 0001794-76.2022.8.16.0030 - Foz do Iguaçu - Rel.: JUIZ DE DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS AUSTREGESILO TREVISAN - J. 27.05.2024)

Portanto, na ocasião em que órgãos como o DETRAN, que são responsáveis pela desvinculação dos débitos atribuídos a veículo adquirido em leilão, inobservarem tal direito, sendo infrutífera a tentativa de solução por via administrativa, é cabível, como demonstrado por pacífica jurisprudência, o ingresso com ação judicial.

Em Responsabilidade Civil na cidade de Londrina e região, conte com o escritório Bernardo Fernandes Advocacia.

Clique no botão abaixo para agendar uma consulta (custos aplicáveis)

Sobre o autor:

Bernardo Fernandes
Bernardo Fernandes

Bernardo Fernandes é advogado, formado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina, especialista em Direito Civil e Empresarial pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade IBMEC-SP, especialista em Direito de Família e Sucessões pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade IBMEC-SP e fundador do escritório Bernardo Fernandes Advocacia, localizado em Londrina/PR.