Como impedir o uso indevido de base de leads por ex-funcionário?


No ambiente empresarial contemporâneo, os dados tornaram-se ativos estratégicos fundamentais. Bases de leads — isto é, listas de contatos de clientes potenciais — são construídas com investimento significativo em marketing, tecnologia e tempo.
Quando um ex-colaborador utiliza indevidamente essas informações após o encerramento do vínculo empregatício (ou do contrato de prestação de serviços/ contrato de parceria), surgem implicações legais relevantes, que envolvem desde o sigilo contratual até o tratamento de dados pessoais, especialmente após a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD – Lei nº 13.709/2018).
O uso indevido de base de leads ocorre quando um ex-funcionário acessa, copia, transfere ou utiliza dados de clientes ou potenciais clientes (geralmente armazenados em CRMs ou planilhas internas), com a finalidade de obtenção de vantagem para si ou para terceiros, em prejuízo da empresa empregadora. Isso pode ocorrer, por exemplo, quando o ex-colaborador passa a atuar em empresa concorrente ou abre seu próprio negócio e utiliza os dados para prospecção de clientes.
Como impedir o uso indevido da base de leads?
Antes de adentrarmos jurisprudência e responsabilidade, começamos pelo mais importante: prevenção.
A empresa pode (e deve!) impedir que o ex-colaborador utilize indevidamente sua base de dados de clientes para fins próprios. A prevenção começa com o contrato.
Seja empregado (em regime CLT) ou um colaborador PJ (pessoa jurídica), é primordial a estipulação em contrato. Cuidado com contratos individuais de trabalho, contratos de prestação de serviços ou contratos de parceria padronizados e feitos sem investigação e estudo do caso concreto: o risco que você corre é que tais contratos podem não conter as disposições específicas para o caso debatido neste artigo ou, mesmo contendo, pode ser insuficiente ou ineficaz.
As regras precisam ser claras, sem ambiguidades, respeitar a lei e preservar a eficácia daquilo que se propõe (não adianta só mencionar “por cima” assuntos tão importantes como este!).
A principal (mas não única) cláusula necessária nesse tipo de caso é de não aliciamento (muitas vezes confundida com a cláusula de não concorrência). Ambas as cláusulas são válidas e podem ser aplicadas, mas são diferentes: a cláusula de não aliciamento proíbe o ex-colaborador de tentar atrair (aliciar) clientes ou colegas da empresa para si ou para terceiros, enquanto a cláusula de não concorrência tem o objetivo de impedir alguém de atuar no mesmo ramo ou mercado da empresa por determinado tempo e local (muito utilizada em relações societárias).
Em suma, a cláusula de não aliciamento é fundamental para proteger a empresa contra práticas desleais após o desligamento de um colaborador. Sua principal função é impedir que o ex-colaborador tente atrair clientes, fornecedores ou outros funcionários da antiga empregadora para ele ou para concorrentes.
Mas não para por aí... Quando falamos em uso indevido de dados, entramos, também, no assunto da LGPD. Cláusulas de LGPD também tem enorme importância no contrato, não apenas para evitar a captação de clientes pelo ex-colaborador, mas para se prevenir de problemas ainda maiores, afinal de contas, a LGPD protege os dados do cliente, que não podem ser utilizados de forma indevida pelo ex-colaborador. Ou seja, como se não bastasse o prejuízo causado pela captação indevida de clientes, pelo ex-colaborador, a empresa ainda pode estar sujeita a penalidades por permitir o uso indevido de dados!
Desta forma, é importante aliar previsão contratual com um bom planejamento de acesso e controle de dados. Questões relativas à proteção de dados, controle, armazenamento e responsabilização precisam estar previstos em contrato, novamente, de forma clara e eficaz. Além disso, é necessário realizar um planejamento e estruturação do uso de dados e, preferencialmente, limitar o acesso dos dados pelos colaboradores.
Dito isso, a melhor prevenção é, sempre, celebrar um bom, completo e eficaz contrato.
Jurisprudência
A cláusula de não aliciamento possui validade jurídica e é reconhecida pela jurisprudência, conforme ementa do TJ do Paraná:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUTOS DE TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE PREPARATÓRIA. DECISÃO ATACADA QUE CONFERIU LIMINAR INIBITÓRIA PARA QUE SEJA OBSERVADA A CLÁUSULA DE “NÃO COMPETIÇÃO”, “NÃO SOLICITAÇÃO” E “NÃO ALICIAMENTO” ESTABELECIDA EM ACORDO DE COTISTAS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. INSURGÊNCIA DOS AGRAVANTES CONTRA A TUTELA CONFERIDA. 1. ALEGAÇÕES DE EVENTUAIS DESCUMPRIMENTOS CONTRATUAIS POR PARTE DA AGRAVADA, BEM COMO PLEITOS REVISIONAIS QUE NÃO SERÃO CONHECIDOS. OBSERVÂNCIA, NESTA PORÇÃO, DA CLÁUSULA DE MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM. 2. PROBABILIDADE DO DIREITO CONSTATADA: CLÁUSULA DE ABSTENÇÃO DE VIOLAÇÃO ÀS OBRIGAÇÕES DE “NÃO COMPETIÇÃO”, “NÃO SOLICITAÇÃO” E “NÃO ALICIAMENTO”. DEVER DE RESPEITO ÀS NORMAS LEGAIS, REGULAMENTARES, CONTRATUAIS E ÉTICAS, BEM COMO DE OBSERVÂNCIA DO PACTA SUNT SERVANDA. ADESÃO VOLUNTÁRIA E CONSCIENTE AO ACORDO DE QUOTISTAS. AGRAVANTES QUE NÃO ESTÃO IMPEDIDOS DE EXERCER A ATIVIDADE DE AGENTES AUTÔNOMOS, DESDE QUE NÃO PREJUDIQUEM A SOCIEDADE AGRAVADA. 3. PERIGO NA DEMORA IGUALMENTE CONFIGURADO: CONSTATAÇÃO DE PERDA DE CLIENTES COM A ATUAÇÃO ATIVA DOS AGRAVANTES. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA, DESPROVIDO.
(TJPR - Agravo de instrumento n. 0004943-39.2023.8.16.0000 Origem:25ª Vara Cível de Curitiba Agravantes: Adalberto Veloso Junior, Andréia Bottino, Beatriz Sydlovicz Chiniski, Eduardo Fernandes de Souza, Gabriel Chueri Romanzini e Gláucio Leitum de Souza. Agravada:Praisce Capital – Agente Autônomo de Investimentos Ltda. Órgão julgador: 20ª Câmara Cível Relator: Desembargador Luiz Henrique Miranda).
Inclusive, é lícito à empresa requerer em Juízo a proibição do aliciamento, seja por ex-sócio, ex-colaborador ou ex-funcionário, respeitando-se as limitações de cada esfera e o que foi previsto em contrato.
Em processo, é possível pedir compensação e a aplicação fixação de multa por descumprimento, que deve constar no contrato.
Em relação às cláusulas de LGPD, é necessário que tratem sobre a coleta, o uso, o armazenamento, responsabilização e outras questões importantes. Na hipótese de responsabilização da empresa por uso indevido de dados, por ex-colaborador, que tenham causado danos ao cliente, é possível mover um processo para reparar eventuais perdas e danos.
O uso indevido de base de leads por ex-colaborador representa uma séria ameaça à integridade e competitividade das empresas. Além do prejuízo financeiro, a empresa ainda pode ser responsabilizada por violação à LGPD.
A legislação brasileira fortalece a proteção a esse tipo de informação, mas as empresas devem estar atentas à prevenção por meio de cláusulas contratuais, políticas de segurança e treinamento.
O colaborador, por sua vez, deve ter ciência de que o acesso a informações durante o contrato de trabalho não lhe confere o direito de utilizá-las posteriormente, sob pena de graves consequências jurídicas.
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