Contrato por WhatsApp é título executivo extrajudicial?


Com o avanço da tecnologia e a popularização dos aplicativos de mensagens, a contratação por meio do WhatsApp vem se tornando uma prática cada vez mais comum entre prestadores de serviços e clientes.
Essa modalidade oferece uma forma rápida e prática de formalizar acordos que parece apresentar grande vantagem, mas levanta questões quanto a validade jurídica destas contratações e se podem ser exigidas judicialmente caso uma das partes descumpra o estipulado.
De modo geral, os contratos firmados pelo WhatsApp são válidos, desde que respeitem os requisitos de validade dos negócios jurídicos, sendo: a capacidade das partes, objeto lícito, forma não vedada por lei e uma manifestação de vontade clara e inequívoca.
De antemão, é necessário ressaltar que há uma diferença entre contrato e instrumento contratual. O primeiro representa a manifestação de vontades das partes, enquanto o instrumento é o documento que formaliza essa manifestação, servindo como prova do acordo.
Desse modo, quando se trata de contratação pelo WhatsApp, o aplicativo pode atuar como o meio que documenta o acordo de vontades, permitindo que as partes comprovem o que foi estabelecido.
Validade do contrato por WhatsApp
Existe uma confusão recorrente quanto à necessidade de assinaturas de duas testemunhas para a validade de um contrato. Tal requisito, na realidade, refere-se à formação de um título executivo extrajudicial — documento com força para ser cobrado diretamente via execução judicial. Isso está previsto no art. 784, III, do Código de Processo Civil (CPC), que confere força executiva a documentos particulares assinados pelo devedor e por duas testemunhas.
No entanto, a falta de testemunhas não anula a existência de um contrato, que pode ocorrer sem testemunhas ou até mesmo de forma verbal. A ausência de testemunhas apenas implica que, em caso de descumprimento, o contrato será discutido em uma ação judicial comum, onde se buscará provar a existência e o teor da obrigação pactuada, chamada de ação de conhecimento (que é um processo bem mais demorado do que a ação de execução).
O Código Civil, em seu art. 107, reforça o princípio da liberdade de forma, afirmando que “a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”. Portanto, as partes podem optar por formalizar o contrato via WhatsApp, como manifestação de suas vontades de maneira livre e consciente, sendo o aplicativo apenas um meio de provar o que foi acordado.
Prova e autenticidade do contrato por WhatsApp
Para que um contrato via WhatsApp tenha peso em uma disputa judicial, a prova de sua autenticidade e integridade é essencial. Em geral, as capturas de tela (ou "prints") de conversas são aceitas nos tribunais como indício, mas, quando questionadas, pode ser necessária a produção de uma ata notarial — um documento lavrado por tabelião que certifica a veracidade do conteúdo exibido no aplicativo, conforme previsto no art. 384 do CPC. Esse procedimento confere segurança jurídica ao conteúdo apresentado e evita que questionamentos futuros comprometam a validade do acordo firmado.
De acordo com o art. 422, §1º, do CPC, “as fotografias digitais e as extraídas da rede mundial de computadores fazem prova das imagens que reproduzem, devendo, se impugnadas, ser apresentada a respectiva autenticação eletrônica ou, não sendo possível, realizada perícia”. Na prática, isso significa que, em caso de dúvida sobre a veracidade das mensagens, a autenticação deve ser feita diretamente no dispositivo onde a conversa se encontra, ou por meio da ata notarial, como mencionado.
Contrato por WhatsApp é título executivo?
A grande questão deste artigo é “posso executar uma negociação celebrada pelo aplicativo?”. Embora contratos pelo WhatsApp sejam válidos, pelo entendimento e legislação atuais, eles não constituem título executivo extrajudicial. Isso significa que, em caso de inadimplência, o credor precisará buscar a declaração judicial da dívida para poder exigir o cumprimento da obrigação.
Recentemente, a Lei 14.620/23 introduziu uma inovação no art. 784, §4º, do CPC, permitindo que contratos eletrônicos assinados com assinaturas eletrônicas válidas — como as emitidas pela ICP-Brasil — dispensem as testemunhas e ganhem força executiva, desde que a integridade seja atestada por um provedor de assinatura qualificado.
Entretanto, entende-se que tal dispositivo não seja válido para negócios debatidos pelo WhatsApp, mas somente para documentos de fato assinados e com possibilidade de verificação, não por meras mensagens. Na hipótese de o WhatsApp ser usado unicamente para envio de um contrato que foi assinado em outra plataforma, haverá configuração de título executivo.
Para melhor compreensão do entendimento dos tribunais acerca dos contratos firmados por aplicativos de mensagens, que apesar de não constituírem títulos executivos são válidos, sim, acosta-se a seguinte jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL – CONTRATO – EMPRÉSTIMO – OFENSA A DIALETICIDADE AFASTADA – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO ACOLHIMENTO – ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DA CONTRATAÇÃO – ELEMENTO DE PROVAS DE DEMONSTRAM A EFETIVAÇÃO DO CONTRATO VIA WHATSZAP ENTRE AS PARTES E A DISPONIBILIDADE DO VALOR CONTRATADO NA CONTA BANCÁRIA DA AUTORA – MODALIDADE CONTRATUAL VÁLIDA – RECURSO DESPROVIDO. Não há falar em ofensa ao princípio da dialeticidade quando a parte expõe de forma clara as razões da sua inconformidade com a sentença e pelas quais pretende a sua reforma, não oferecendo qualquer dificuldade para a parte contrária apresentar suas contrarrazões. Não há falar em ofensa à dialeticidade pela não produção de prova técnica quando nos autos há elementos suficientes para formação do convencimento do Juízo. Comprovada a contratação e a disponibilização do valor na conta bancária da Apelante não como acolher a tese de desconhecimento da contratação mesmo que não tenha se efetivado de maneira formal. A jurisprudência dos mais diversos tribunais do Brasil tem fixado o entendimento de que uma negociação realizada por aplicativos de conversas possui força vinculante entre as partes, valendo, portanto, como um “contrato”. Isso porque se reconhece que existe a manifestação de vontade das partes, as quais tem a liberdade de contratar, estando presentes os requisitos da proposta e da aceitação. Os contratos celebrados via WhatsApp são válidos, na medida em que o contrato consiste na manifestação de vontades expressa de maneira livre e consciente pelas partes, funcionado o aplicativo WhatsApp como instrumento ou meio físico hábil a comprovar aquilo que foi acordado. (N.U 1002590-76.2023.8.11.0055, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 20/03/2024, Publicado no DJE 25/03/2024)
No exemplo citado, observamos que a jurisprudência brasileira valida negociações feitas via aplicativos de mensagens como WhatsApp, considerando-as juridicamente vinculantes, uma vez que manifestam a vontade das partes de forma livre e consciente. O WhatsApp, nesse contexto, serve como um instrumento idôneo para comprovar os termos acordados.
Em consonância com a liberalidade contratual, tal entendimento reforça que as negociações realizadas por meios digitais têm validade. No entanto, subsiste os debates nas situações em que estas negociações deveriam ser submetidas às formalidades exigidas por lei, como por exemplo um contrato de compra e venda de imóvel cujo valor seja superior a trinta vezes o valor do salário-mínimo vigente no país, o qual deve se dar por meio de escritura pública (art. 108, Código Civil).
Ainda que exija tal solenidade para que a compra seja concluída, um julgado da 1ª Vara Cível de Uberaba (MG) demonstra que a validade jurídica pode ser reconhecida e o ressarcimento pode ser determinado. No caso concreto a que se refere, um morador foi condenado a pagar R$65 mil a uma mulher após vender um terreno por meio de conversas no WhatsApp. Todas as etapas da negociação foram realizadas pelo aplicativo, incluindo o envio do recibo de depósito de R$50 mil e cópias de documentos. O vendedor, porém, não lavrou a escritura após o pagamento, obrigando a compradora a buscar a Justiça. Na decisão, o juiz Lúcio Eduardo de Brito, da 1ª Vara Cível, reconheceu a validade jurídica da transação com base nos documentos e diálogos extraídos do próprio aplicativo. Assim, a Justiça condenou o vendedor a ressarcir a compradora pelos danos, além do valor já pago.
Este caso destaca a seriedade que os tribunais conferem às negociações realizadas por WhatsApp, evidenciando que, ao optarem por esse meio, as partes assumem riscos e responsabilidades semelhantes aos de contratos formais. O juiz, ao observar que “foi um negócio arriscado que não é recomendável”, reforça que, embora tais negociações sejam válidas, a informalidade não isenta os envolvidos das obrigações contraídas.
Os contratos celebrados via WhatsApp são plenamente válidos, desde que atendam aos requisitos essenciais do negócio jurídico e sejam documentados de maneira que facilite sua comprovação. Apesar de não possuírem força executiva, podem servir como prova em juízo, especialmente se a autenticidade do conteúdo for resguardada. Em caso de contratos de maior complexidade ou valores mais elevados, a inclusão de assinaturas eletrônicas qualificadas, que possuem força executiva pela nova redação do CPC, traz maior segurança.
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