Médico tem vínculo empregatício?


A relação de trabalho na área da saúde, especialmente para médicos, é um tema complexo e de grande relevância. Com a crescente demanda por serviços médicos e a diversificação das formas de contratação, surge a necessidade de esclarecer quando há ou não vínculo empregatício.
Neste artigo, exploraremos os critérios legais que determinam o vínculo de emprego para médicos, analisando as diferentes formas de contratação, a jurisprudência relevante e as implicações práticas tanto para profissionais quanto para empregadores.
O vínculo de emprego é definido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e se caracteriza pela presença dos seguintes elementos: subordinação (estar sob a autoridade e controle do empregador), pessoalidade (não poder ser substituído por outra pessoa, habitualidade (realizado com frequência) e onerosidade (receber valores).
A presença simultânea desses elementos pode caracterizar um vínculo empregatício, mesmo que o contrato formal indique outra modalidade de contratação.
Médico tem vínculo de emprego?
Os médicos, normalmente, prestam serviços através das seguintes formas:
● Emprego formal: Muitos médicos são contratados com carteira assinada, especialmente em hospitais e clínicas que oferecem um regime de trabalho mais estruturado, com controle de jornada e subordinação. Nesses casos, os direitos trabalhistas como férias, 13º salário e FGTS já são garantidos por lei.
● Pessoa Jurídica (PJ): Alguns médicos optam por prestar serviços através de empresas próprias, assumindo a forma de Pessoa Jurídica. Nessa configuração, em regra, não há vínculo empregatício, e o médico atua como prestador de serviços, o que pode implicar em uma relação mais flexível. No entanto, no caso de fraude, o vínculo de emprego pode ser reconhecido judicialmente.
● Profissional parceiro: O profissional parceiro é contratado para atuar de forma independente, em regra, sem vínculo empregatício. Essa modalidade é comum em clínicas e consultórios que compartilham espaços e recursos, mas onde cada médico mantém sua autonomia profissional. No entanto, no caso de fraude, o vínculo de emprego também pode ser reconhecido judicialmente.
● Médicos que atuam de forma pontual: Geralmente, médicos que atuam de forma pontual podem oferecer seus serviços para cobrir plantões ou realizar procedimentos específicos. Esta modalidade oferece grande flexibilidade, permitindo que o profissional aceite trabalhos conforme sua disponibilidade. O pagamento é feito por plantão ou procedimento, sem direitos trabalhistas associados.
O que os tribunais dizem sobre médico ter vínculo empregatício?
Iremos analisar variados casos. Primeiramente, observemos este acórdão:
Pela análise das provas que constam deste processo, ficou comprovado que o Recte sempre se apresentou à Recda, seus pacientes e poder público como pessoa jurídica, e mês a mês ratificava esta apresentação por intermédio da emissão de notas fiscais para o recebimento do pagamento pelos serviços prestados; não havia ingerência da Recda na fixação de honorários para os seus clientes particulares, não podendo ser vislumbrado qualquer traço de subordinação jurídica na prestação de serviços. [...] Cabe ainda ressaltar que, como já decidido nesta d. Turma em situação de fato semelhante, no caso do médico plantonista, contratado através de pessoa jurídica, deve prevalecer a forma de contratação eleita pelas partes, porque o contrato foi firmado pelo administrador responsável pela pessoa jurídica, médico, pessoa maior e capaz, que concordou com os termos da contratação e prestou serviços, de forma consensual e continuada. [...] Acolher a alegação de existência da relação de emprego, depois de cumprido o contrato, resulta em violar as regras da segurança jurídica, que deve presidir o cumprimento dos contratos (pacta sunt servanda). [...] Esta não é a hipótese de trabalhador hipossuficiente, que pudesse ser enganado ou obrigado a concordar com os termos que lhe foram impostos pela contratante, por necessidade. A situação é completamente diferente, porque é pessoa portadora de diploma universitário, que não está sujeito a essas vicissitudes, até porque tem outro (ou outros) locais onde presta serviços e recebe a remuneração respectiva. [...] Portanto, não podendo ser constatados os alegados elementos definidores da relação de emprego, na forma do artigo 3º CLT, fica mantida a r. sentença, pelos seus próprios fundamentos, em relação à inexistência do vínculo empregatício. (TRT-3 – RO: 00110775920205030078 MG 0011077-59.2020.5.03.0078, Relator: Sabrina de Faria F.Leao, Data de Julgamento: 03/08/2021, Segunda Turma, Data de Publicação: 04/08/2021.)
Neste julgamento, tem-se que o tribunal considerou a ausência de subordinação, a autonomia na gestão dos plantões, e a possibilidade de substituição por outros profissionais como fatores determinantes para afastar a configuração do vínculo.
A fim de restar claro os critérios considerados pelos tribunais, quanto à configuração ou não de vínculo empregatício, apresenta-se entendimento jurisprudencial que identificou a ausência dos requisitos:
VINCULO DE EMPREGO. MÉDICO PLANTONISTA. CONTRATAÇÃO NA MODALIDADE AUTÔNOMA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 3º DA CLT. A prova dos autos demonstra que o reclamante prestou serviços à reclamada em contrato autônomo, sem a presença dos requisitos previstos no art. 3º da CLT, especialmente no que concerne à subordinação hierárquica e pessoalidade. Recurso do reclamante desprovido. (TRT-4 – ROT: 0020363-15.2021.5.04.0752, Relator: Marcal Henri dos Santos Figueiredo, Data de Julgamento: 10/11/2023, Segunda Turma)
É importante ressaltar que não se considera apenas eventual contrato firmado entre as partes, mas sim as características da relação de trabalho, pautando-se por um princípio chamado primazia da realidade.
Se o profissional assume as mesmas responsabilidades e deveres de alguém regido pela CLT, ele também pode ter direito aos benefícios trabalhistas.
Apresenta-se um exemplo de reconhecimento do vínculo empregatício:
RECURSO ORDINÁRIO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. MÉDICO PLANTONISTA. CONFIGURADO, Tem-se que o traço diferenciador entre o trabalho "celetista" e "autônomo" se percebe na presença da subordinação jurídica na execução dos serviços, visto que os demais elementos configuradores da relação de emprego mostram-se comuns em ambas as figuras. Sopesando o acervo probatório constante dos autos, considerando-se o critério objetivo da distribuição do ônus da prova, tem- se que a reclamada não logrou êxito em demonstrar que o demandante não estava subordinado a ela. Pois, restou suficientemente comprovado que a relação jurídica havida entre os litigantes era de emprego, visto que presentes todos os elementos essenciais para a caracterização do vínculo empregatício. Recurso ordinário das reclamadas a que se nega provimento. (Processo: ROT 0001244-95.2019.5.06.0101, Redator: Paulo Alcantara, Data de julgamento: 16/06/2021, Segunda Turma, Data da assinatura: 16/06/2021)
Destaca-se que é imprescindível ao Poder Judiciário que sejam aplicados os ordenamentos corretos na determinada situação de trabalho, de modo que se tudo indica que o trabalhador é “celetista”, é incabível a mera tentativa de afastamento deste dispositivo.
Nesse sentido, vale ressaltar que os precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) que validam a terceirização de atividades econômicas não impedem que o Judiciário constate a existência de abusos ou desvirtuamentos que configuram vínculo empregatício. Em casos específicos, o Judiciário pode reconhecer o vínculo de emprego quando se verifica a presença dos elementos característicos, como a subordinação, pessoalidade e habitualidade, conforme demonstrado.
Um exemplo relevante é uma decisão monocrática do ministro Flávio Dino, que manteve o reconhecimento do vínculo empregatício entre um médico e um hospital. No caso, a Justiça do Trabalho havia reconhecido que, apesar da contratação por meio de contrato de prestação de serviços, o médico atuava de forma habitual, pessoal e subordinada. Seguia ordens de uma chefia imediata, cumpria escalas e recebia remuneração fixa pelos plantões.
O hospital, por sua vez, não conseguiu demonstrar que o profissional exercia suas funções de forma autônoma. Ao julgar a reclamação constitucional (Rcl 65.931/RJ), o STF ressaltou que, embora a terceirização de atividades-fim seja legal, o reconhecimento do vínculo de emprego no caso foi baseado na análise dos fatos e provas apresentados. A decisão destacou que "não obstante sua qualificação profissional, não restou comprovada sua atuação de forma autônoma".
Este exemplo mostra que, mesmo em situações onde há um contrato formal de prestação de serviços, a Justiça pode, sim, reconhecer a existência de vínculo empregatício se os elementos da relação de trabalho estiverem presentes.
Direitos e obrigações
Os médicos que possuem vínculo de emprego têm garantidos todos os direitos previstos na CLT, e os empregadores têm obrigações que devem ser rigorosamente cumpridas. Vamos detalhar esses aspectos:
● Salário: O médico tem direito a uma remuneração justa e acordada previamente, que pode ser fixa ou variável, dependendo da natureza do contrato.
● Férias: Após 12 meses de trabalho, o médico tem direito a 30 dias de férias, com adicional de 1/3 do salário.
● 13º Salário: O décimo terceiro salário é pago anualmente, em duas parcelas, e corresponde a um mês de remuneração.
● FGTS: O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço é um direito do empregado e constitui uma reserva financeira em caso de demissão sem justa causa.
● Horas Extras: Médicos que trabalham além da jornada regular têm direito ao pagamento de horas extras, com adicional de 50% sobre a hora normal, podendo ser maior em casos de plantões noturnos ou em feriados.
Além disso, em caso de dispensa, o médico com vínculo de emprego tem direito a aviso prévio e seguro desemprego.
Por fim, é fundamental que tanto médicos quanto empregadores compreendam plenamente as implicações legais de cada modalidade de contratação, para evitar conflitos e assegurar uma relação de trabalho justa e clara.
Procure, sempre, um advogado especializado. Em Direito do Trabalho, conte com o escritório Bernardo Fernandes Advocacia.
Ficou com alguma dúvida?
Sobre o autor:

