Responsabilidade de sócio oculto em holding familiar


As holdings familiares vêm sendo amplamente utilizadas como instrumentos de planejamento patrimonial e sucessório. Sua estrutura permite a reunião do patrimônio, regras específicas de tributação, e estabelecimento de disposições sobre a sucessão e, as vezes, determinados membros da família participam indiretamente na gestão ou nos resultados, mas não figuram formalmente no contrato social — são os chamados “sócios ocultos”.
A existência de sócios ocultos nas empresas, em geral, é permitida pela legislação – já que apenas por tal motivo, não há “nada de errado”. Entretanto, e infelizmente, algumas pessoas utilizam esse e outros mecanismos para agir de má-fé e lesar credores, por exemplo.
A crescente judicialização de litígios envolvendo essas estruturas societárias levantou a discussão sobre a possibilidade de responsabilização civil e patrimonial dos sócios ocultos, especialmente quando verificada fraude, confusão patrimonial ou desvio de finalidade. Este artigo aborda a possibilidade de responsabilização solidária dos sócios ocultos no contexto das holdings familiares, com amparo legal, doutrinário e jurisprudencial.
O Sócio Oculto
O sócio oculto é aquele que, embora não conste formalmente no quadro societário da empresa, atua como verdadeiro participante da sociedade, seja por exercer influência na gestão, usufruir dos lucros, ou contribuir para as operações da empresa.
Para ser um sócio oculto, não é necessária a existência de nenhum contrato entre o referido sócio e uma determinada empresa, embora seja comum a celebração deste contrato, quando a sociedade em conta de participação é feita com intuito de planejamento empresarial e estratégias dos sócios.
A jurisprudência pátria, em especial do Superior Tribunal de Justiça, tem evoluído para reconhecer a responsabilidade desses sujeitos, sobretudo quando evidenciado o intuito de fraude contra credores, abuso da personalidade jurídica ou desvio de finalidade, nos termos do art. 50 do Código Civil, independentemente da existência de contrato:
Art. 50, CC: Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Jurisprudência
A jurisprudência tem reconhecido, em diversas oportunidades, a responsabilidade de terceiros que atuam como verdadeiros sócios sem figurar no contrato social (ou até mesmo sem que haja contrato particular entre a empresa e o sócio oculto):
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMPRESARIAL. SÓCIO OCULTO. RESPONSABILIDADE CIVIL PELO PAGAMENTO DA DÍVIDA. I – A confissão em processo transitado em julgado de que o apelado já ter constituiu diversas pessoas jurídicas para o exercício de suas atividades empresariais, inclusive em nome de pessoas diversas serve como prova neste processo. II – Ao realizar os pagamentos referentes ao acordo extrajudicial direto de sua conta pessoal, o apelado demonstrou que detinha não apenas a condição de sócio, mas também a de gerência da empresa apelada. Portanto, entende-se que dos seus atos praticados nessa condição decorrem consequências jurídicas que implicam responsabilidade civil. III – Tendo o apelado agido como se sócio fosse, tratando diretamente com o apelante, além de assinar o acordo em nome da empresa, sobressaem evidências irrefutáveis de que ostentava a condição de sócio oculto da sociedade, podendo responder civilmente, como tal, pelos débitos da pessoa jurídica. Precedentes do STJ e deste Tribunal. IV – Deu-se provimento ao recurso.
(TJ/DF - APELAÇÃO 0004486-63.2017.8.07.0001 - APELANTE(S) PORTAS AUTOMATICAS ARTE MANIA LTDA - ME - APELADO(S) RAMOS E SILVA CONFECCOES LTDA - ME e CESAR RAMOS DA SILVA - Relator Desembargador JOSÉ DIVINO - Acórdão Nº 1145640).
Doutrinadores como Fábio Ulhoa Coelho e Modesto Carvalhosa reconhecem que a figura do sócio oculto, ainda que não formalmente registrado, pode ser considerado sócio de fato, e como tal, responder pelos atos praticados na condução da sociedade:
“O sócio de fato, embora não conste do contrato social, deve responder pelas obrigações da sociedade caso tenha participado da gestão e se beneficiado diretamente dos lucros ou patrimônio” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol. 2. São Paulo: Saraiva).
A responsabilização de sócios ocultos em holdings familiares é plenamente possível, desde que haja prova suficiente do envolvimento direto na gestão da empresa, da existência de confusão patrimonial ou da prática de fraude contra credores.
O ordenamento jurídico brasileiro, por meio do art. 50 do Código Civil e de uma construção jurisprudencial sólida, especialmente do Superior Tribunal de Justiça, reconhece que a forma não pode prevalecer sobre a substância, garantindo a efetividade da jurisdição e a tutela dos direitos dos credores.
A utilização de holdings familiares deve sempre observar os princípios da legalidade, transparência e boa-fé. Quando utilizadas com desvio de finalidade, não se pode tolerar a blindagem ilícita de patrimônio, sendo imperiosa a responsabilização dos sócios ocultos que atuam por trás do CNPJ.
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