Violência doméstica gera dano moral?

Violência doméstica gera dano moral?
Violência doméstica gera dano moral?

O que é violência doméstica?

De acordo com o art. 5º da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), violência doméstica e familiar contra a mulher consiste em “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.

Assim, a violência doméstica se manifesta de diversas formas, incluindo abusos físicos, verbais, emocionais, psicológicos, econômicos, reprodutivos e sexuais, ocorrendo em ambientes domésticos, familiares ou de intimidade. A vítima deve ser do gênero feminino, inclusive transgêneros, e o autor pode ser homem ou mulher.

Em virtude de muitas vezes ocorrerem em ambientes conhecidos, que deveriam ser locais de segurança, a identificação dos tipos de violência doméstica é muitas vezes dificultada.

A violência física abrange uma série de atos que colocam em risco a integridade física da vítima, tais como espancamentos, sacudidas, socos, tapas, chutes, apertos no pescoço, agressão por meio de objetos, entre outros.

Já a violência psicológica, ou emocional, busca ferir intimamente a vítima, através de ações como controle de roupas e comportamentos, perseguição, humilhação pública, manipulação emocional, ameaçar e proibição de convívio com familiares e amigos.

No aspecto patrimonial, a violência pode se manifestar por meio de danos materiais, como quebrar aparelhos eletrônicos, controlar salários e valores da vítima, ou quaisquer outros bens materiais que lhe pertençam.

A violência sexual é configurada diante da relação sexual forçada, mesmo que com marido, namorado ou companheiro, relação com a mulher inconsciente, impedimento do uso de métodos contraceptivos, ou outras formar de coerção sexual.

Por fim, a violência moral e virtual inclui insultos, calúnias, difamação, exposição de intimidades em redes sociais, filmagem ou fotografia de cenas íntimas sem autorização e, ainda que permitidas, exposição dos registros com o fim de humilhar.

A violência doméstica gera dever de indenizar?

Além de ser responsabilizado criminalmente pelos atos ilícitos cometidos, o autor da violência também pode ser punido na esfera cível. Sendo assim, a violência doméstica gera dano moral indenizável.

O entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, em julgamento realizado sob o rito de recursos repetitivos (Tema 983, REsp 1675874/MS e REsp 1643051/MS), é no sentido de possibilidade de indenização nos casos de violência contra a mulher:

Tema 983 – STJ: Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória.

Com base neste entendimento, na esfera penal, os danos morais em virtude de violência doméstica têm sido fixados em quantum indenizatório mínimo. Assim, os danos morais, materiais, estéticos, e outros gerados pela violência doméstica, tornam-se passíveis de matéria de pretensão reparatória por parte da vítima em âmbito cível.

Dessa forma, ainda que os fatos tenham sidos discutidos em âmbito penal, a responsabilidade civil e a responsabilidade criminal são independentes, conforme dispõe o Código Civil:

Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

A discussão em âmbito cível é necessária pois a indenização deve ser correspondente à extensão do dano, conforme preconiza também o Código Civil:

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

O Código Civil dispõe que a violação aos direitos da personalidade, como a integridade física e psíquica, diz respeito a ato ilícito, conforme preceitua o art. 186:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Além disso, o art. 927 estabelece que o ato ilícito enseja o dever de indenizar, ou seja, a responsabilidade civil:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Logo, os danos causados em virtude da violência perpetrada — inclusive na esfera moral — devem ser reparados por quem cometeu o ato ilícito.

Dessa forma, observa-se que a responsabilidade civil consiste no dever de reparação de um dano por quem o causou, desde que contenha os elementos característicos. Nos casos de violência doméstica, para que se identifique a responsabilidade civil objetiva, é necessário que se façam presentes os elementos de “ação”, “dano” e “nexo de causalidade” e “culpa”. Ação: em sentido amplo, ou seja, ação ou a omissão relevante. Dano: pode ser material, moral ou estético. Nexo de causalidade: é a ligação entre a conduta praticada e o resultado danoso. Culpa: em sentido amplo, inclui tanto o dolo como a culpa em sentido estrito, a quebra do dever de cuidado. Assim, a violência doméstica gera dever de indenização, nos mais diversos âmbitos dos danos causados.

A indenização pelos danos não visa quantificar o tamanho da dor, perda da tranquilidade da vítima e traumas sofridos, mas trata de um compensação pelos prejuízos suportados, além de possuir um importante caráter pedagógico, pois visa desencorajar a prática de condutas ilícitas e promover a conscientização quanto aos direitos fundamentais de cada indivíduo.

Qual o prazo para exigir indenização decorrente de violência doméstica?

No direito, há um instituto denominado “prescrição” que, segundo o artigo 189 do Código Civil, consiste na extinção da pretensão (ação judicial para assegurar um direito) em virtude do tempo. Em outras palavras, depois de determinado tempo, a prescrição de determinado direito, ou seja, torna-se inexigível determinada pretensão por meio do direito processual.

De acordo com o Código Civil, nos termos do art. 206, §3º, inciso V, a prescrição para a pretensão de reparação civil é de 3 (três) anos. Desta forma, o prazo para exigir indenização por violência doméstica é de 3 (três) anos.

Salienta-se que o direito moral, em si, não prescreve, mas prescreve a pretensão de reparação civil em virtude do ato ilícito cometido, ou seja, o dever de indenizar. No entanto, há o amparo legal previsto no art. 200, que prevê:

Art. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva. Logo, se o caso de violência doméstica foi objeto de ação penal, o prazo prescricional só passa a ser contabilizado após a sentença definitiva ser proferida.

Em conformidade com o disposto no Código Civil, apresenta-se também a disposição legal contida no Código de Processo Penal, a medida que trata da execução em juízo cível, após transitada em julgado a sentença condenatória:

Art. 63. Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.

Parágrafo único. Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso iv do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido.

Art. 64. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for caso, contra o responsável civil.

Parágrafo único. Intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta, até o julgamento definitivo daquela.

Assim, é plenamente cabível o ajuizamento de ação cível em caso de violência doméstica a fim de exercer a pretensão reparatória por danos morais, materiais e estéticos, dentro do prazo prescricional legal, que, por sua vez, deve ser analisado no caso concreto.

Para tanto, torna-se indispensável a consulta com um profissional jurídico capacitado a auxiliar a vítima de violência doméstica no exercício de seus direitos.

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Sobre o autor:

Bernardo Fernandes
Bernardo Fernandes

Bernardo Fernandes é advogado, formado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina, especialista em Direito Civil e Empresarial pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade IBMEC-SP, especialista em Direito de Família e Sucessões pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade IBMEC-SP e fundador do escritório Bernardo Fernandes Advocacia, localizado em Londrina/PR.